domingo, 8 de agosto de 2010

Uma garota...- Parte I

Mirieli desde muito nova sonhava em ser par... Necessitava ser par, como Cinderela em seu borralho, sonhando com um "um homem pra chamar de seu". Sentia-se insuficiente ímpar. Tola demais pra o ser. Oca demais pra tentar. Sua ausente auto-estima forçava-a a apoiar-se nas opiniões das amigas, nas roupas parecidas, modo uniformizado de pentear-se: sempre com molde encaracolado acoplado ao crânio para ter certeza de que nenhum vento abusado ousaria desfazer-lhe os únicos seis cachos que desciam pelo colo inane e maltratado. Por via de qualquer dúvida, levava sempre consigo um prendedor ordinário na cor pink para evitar frizz e volume e estar sempre na voga com um coque despojado. Como membro fiel da tribo das excluídas.com, pintava suas unhas semanalmente com a batida francesinha e decorava-as com motivos florais cuidadosamente feitos com tinta de tecido e uma leve camada de seda base. Tentava encobrir seu rosto judiado de espinhas, improvisando um rouge com o velho batom vermelho. Passava lápis preto ao redor dos olhos à guisa de Amy Lee (vocalista – e, diga-se de passagem – linda do Evanescence), o que deixava seu visual borrado, todas as vezes que caminhava debaixo do sol inclemente ou em dias de chuvas torrenciais, 20 minutos até chegar à escola. Caprichava no excesso de gloss pedidos pela revista de sua vizinha e amiga, consultora de cosméticos por encomenda, Salete. Salete cabe um parágrafo, mas vou dedicar a ela somente 8 1/2 linhas: [Qualquer pessoa com o mínimo de sensatez, saberia que Salete era míster em divulgar informações falsas e verdadeiras, socializava a dor alheia sem moderado pudor. Tudo pelo bem do bairro. Mas ela não era culpada, como maldição todos os vizinhos eram daquela forma. Espalhafatosos - mestres em espalhar fatos desnecessários para avivar a vida do bairro.]
        Em dias que o visual pedia diversificação, Mirieli fazia a auto-faxina geral: escovava com mais carinho seus dentes amarelos, cariados e voltados para fora da correta mordida. Aparava seus pêlos pubianos com a tesoura enferrujada que ficava na janela do banheiro. Ela não tinha datas regulares para poda íntima. Estava decidida que iria ser freqüente à depiladora e amiga Flávia somente quando se casasse. Às vezes mal se tocava no banho. Lavava com esmero os pés que volta e meia sujavam-se nas estradas. Lavava com xampu barato seu cabelo, mas a ‘minha xaninha’-como delicadamente apelidara sua genitália-Deus que a livrasse! Só a água que passava do corpo era suficiente pra remover seus mucos e naturais fluidos. Para os dias de semana, quando ia pra escola, como todas as suas amigas, vestia-se com cuidado: primeiro vestia a calcinha e imaginava-se nua na frente de Rodolpho Hermes, que estudava em sua sala, tri repetente do segundo ano e, ao que sabiam cultivava hábitos atípicos, mas totalmente aceitos por pessoas igualmente perdidas – bebedeira, quebra-pau em qualquer esquina, racha e agressão à mulher – mas que sorriso ele tinha!! Tudo bem que tinha algumas falhas na dentição, mas os dentes da frente eram suficientemente suportáveis na visão de Mirieli. Imaginava-se em frente ao espelho do quarto do casal colocando igualmente a calcinha vermelha dois números menores para dar certo volume na retaguarda enfraquecida, caída e ausente pela magreza e pela postura saint-troppez – no popular, corcunda mesmo. Depois colocava o sutiã branco encardido nas alças e debaixo das axilas e imaginava que nesse momento, que o amor de Rodolpho Hermes chegava a limites incontroláveis e, ele a jogaria na cama e delicadamente tirar-lhe-ia a lingerie, dizendo que ela era a mulher de sua vida... A voz estridente de sua mãe gritando para que ela andasse rápido pra limpar a casa obrigava-a a  vestir uma camisetinha meio velha por cima da roupa íntima meio surrada e acordar do sonho perfeito. Então preparava um banho de creme maravilhoso que Flávia tinha ensinado: “-A Salete fez e deu super certo no cabelo dela! Vou fazer também!” adicionava ovo e maionese à máscara de lama negra que sempre comprava nas liquidações das casas cosméticas e lambuzava a cabeça e ia limpar a casa. Quanto mais tempo ficar mais brilhoso o cabelo poderia ficar, uma vez que ela não podia esquecer que hoje precisava fazer uma escova igual a de Fatiúcia – outra super amiga. O vocabulário de Mirieli, mesmo o mental, não permitia que ela usasse 3 novas palavras, desse modo, o que ela mais falava era: ‘super, cara, vei, paia, boto fé’ qualquer outra coisa que soasse diferente disso poderia excluí-la do tão seleto e invisível grupo de amigas inseparáveis para a vida inteira do segundo G do ano de 2005. Lá ia ela com o CD do Linkin park colocava no volume máximo e cantava um inglês ao contrário porque ‘-boto fé que inglês é português ao contrário, vei’. Às vezes tinha muita vontade de ouvir Zezé di Camargo & Luciano, mas logo se desligava desse pensamento porque não era permitido pensar em coisas tão nacionais... [CONTINUA...]

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